É possível traçar parâmetros objetivos de “mal injusto e grave” tratando-se de crime de ameaça?

Enzo Fachini


Nesta semana, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou, durante o julgamento do Habeas Corpus nº. 697.581, o trancamento de uma ação penal intentada contra uma pessoa que teria, de acordo com a acusação, contratado outra para “realizar um ‘trabalho visando eliminar diversas pessoas, de forma a intimidá-las e prejudicá-las, criando um contexto evidentemente ameaçador”. Conforme o Ministério Público, a pessoa denunciada teria transferido valores para que “fossem adquiridos diversos objetos utilizados no ritual de cunho religioso, como ‘cabeças de cera’, pequenos caixões e um boneco vodu” e, posteriormente, teria escrito o nome das vítimas em um dos pequenos caixões.

No entanto, ao analisar o caso, a 6ª Turma do STJ entendeu que a denúncia não deveria prosseguir. Entre suas razões, a Corte Superior entendeu que “o tipo penal, ao definir o delito de ameaça, descreve que o mal prometido deve ser injusto e grave, ou seja, deve ser sério e verossímil. (…) A ameaça, portanto, deve ter potencialidade de concretização, sob a perspectiva da ciência e do homem médio, situação também não demonstrada no caso”.

Assim, em outras palavras: é preciso que a ameaça seja crível e potencialmente concretizável para que ela possa ser considerada, afinal, uma ameça.

Mas será mesmo?

O tipo penal da ameaça existe de forma autônoma em nosso ordenamento jurídico desde o Código Criminal de 1830, mas foi a partir de 1940 – no Código Penal atual – que o legislador entendeu que, para que seja caracterizado o crime, é suficiente que a ameaça seja exteriorizada de qualquer forma, por meio de “palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico”.

De acordo com o Oxford Languages, ameaçar significa “fazer ameaça a”, “meter medo a” alguém, no caso, a vítima do crime. E aqui talvez seja a morada do perigo da decisão do STJ: medo é um estado de insegurança da Psicologia que é extremamente subjetivo, podendo variar de pessoa para pessoa.

Da leitura do tipo penal, mais parece que o legislador exija que a vítima realmente se sinta ameaçada, mas não que a ameaça tenha “potencialidade de concretização, sob a perspectiva do homem médio”. Entender dessa forma seria permitir que o Poder Judiciário dite, caso a caso, como a vítima deveria ou não ter se sentido, algo tão íntimo que não é possível estabelecer parâmetros, em especial, considerando que a livre escolha de crença é assegurada pela Constituição Federal, em seu art. 5º, VI.

Mais acertado parece o entendimento da mesma 6ª Turma do STJ, ao julgar o RESP nº 1.299.021, no ano de 2017. Naqueles autos, em contexto muito semelhante, a Corte entendeu que “a ameaça de mal espiritual, em razão da garantia de liberdade religiosa, não pode ser considerada inidônea ou inacreditável. Para a vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a crença na existência de força ou forças sobrenaturais, manifestada em doutrinas e rituais próprios, não havendo falar que são fantasiosas e que nenhuma força possuem para constranger o homem médio”.

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