Para especialistas, decisão do STF garante controle externo de investigação do MP

Tiago Angelo

O estabelecimento de prazos para investigações de natureza penal e a obrigação de informar à Justiça sobre novas apurações garantem maior controle externo sobre o Ministério Público, conforme afirmaram os especialistas no tema consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Na última quinta-feira (25/4), o Supremo Tribunal Federal formou maioria no sentido de que o MP tem competência para promover investigações de natureza penal, mas as apurações pressupõem a comunicação ao juiz competente e a observância dos mesmos prazos previstos para a conclusão de inquéritos policiais.

A Justiça deverá ser informada sobre a abertura de novas investigações e sobre seu encerramento. O inquérito policial tem prazo de dez dias em caso de indiciado preso e de 30 dias quando o investigado estiver em liberdade.

Além do prazo e da necessidade de comunicação ao Judiciário, o Supremo discute se o Ministério Público deverá obrigatoriamente abrir procedimento investigatório sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes, ferimentos graves ou “outras consequências sérias ocorrerem em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes”.

Mais controle externo

Para Rafael Paiva, advogado criminalista e professor de Direito Penal, Processo Penal e Lei Maria da Penha, a obrigação de respeitar prazos e informar sobre novas investigações garante maior controle externo sobre as apurações do Ministério Público.

“Já é pacífico que o MP pode fazer investigação de natureza penal. Porém, não há controle externo, diferentemente do inquérito policial exercido pela polícia judiciária, em que o MP faz o controle externo”, explica o especialista.

Segundo ele, é importante em especial a necessidade de pedido de prorrogação de prazo, para evitar que continuem existindo investigações por período indeterminado.

“O MP hoje exerce esse poder de investigação, mas não há fiscalização e controle externo de prazo. O controle é feito internamente, pelo próprio MP, o que é prejudicial e não traz a transparência necessária para esse tipo de investigação.”

No entendimento do delegado da Polícia Civil André Santos Pereira, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, a fixação de prazos homenageia o sistema de pesos e contrapesos e a separação de poderes, além de preservar princípios institucionais no âmbito da investigação criminal.

“A decisão que está sendo insculpida impõe limites ao Ministério Público e vem ao encontro da lógica do Estado democrático de Direito, no sentido de que as instituições públicas e os poderes podem muito, mas não podem tudo.”

“Temos atualmente o MP realizando investigações criminais que duram meses ou anos, sem qualquer controle ou supervisão externa. Tendo esse ponto de partida dos prazos estabelecidos pelos inquéritos policiais, será possível esse controle, com base em um critério muito consolidado, que é o dos inquéritos policiais”, conclui Pereira.

Mais celeridade

Rubens Beçak, professor da graduação e da pós-graduação da Universidade de São Paulo, afirma que existe atualmente um descompasso entre os prazos estabelecidos para as investigações do MP e as das polícias, o que deve ser solucionado com a decisão do Supremo.

“Essa tendência do STF de equiparar os prazos é no sentido de realmente dar uma celeridade maior a esse tipo de investigação. A corte está procurando ordenar a situação toda e equiparando as investigações do MP com aquele inquérito que é o mais tradicional, que é o feito pela polícia.”

Ainda segundo ele, a decisão pode ser vista como uma tentativa do STF de efetivar a implementação do juiz das garantias, responsável por exercer o controle externo na fase de investigação.

Crimes de agentes públicos

Alguns dos especialistas ouvidos pela ConJur afirmaram que a obrigatoriedade de o MP investigar crimes cometidos por agentes de segurança pública fere a autonomia do órgão — esse tema, no entanto, ainda não foi decidido totalmente pelo Supremo, já que a definição deve ocorrer nesta quinta-feira (2/5), quando a corte fixará a tese.

“No que tange às investigações envolvendo agentes de segurança pública, a obrigatoriedade é equivocada. Entendo que o MP deve ter autonomia para investigar eventos dessa natureza. E, nessa perspectiva, temos a possibilidade de não existir duplicidade de investigações”, disse o delegado André Pereira.

Rafael Paiva também afirmou que a investigação não deve ser obrigatória porque a imposição é exagerada e porque o Ministério Público não teria condições estruturais para atender a esse tipo de ocorrência.

“Parece-me estranho cada vez mais tirar poder das policiais judiciárias e passar pro MP e pra Polícia Militar. Precisamos, na verdade, dotar as polícias com equipamentos, estrutura e condições técnicas de realizar investigações.”

Já Thiago Turbay, criminalista e sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados, disse que o MP não deve ser obrigado a investigar as polícias. Para ele, “tal modelo não parece compatível com um sistema de Justiça Criminal interessado em dificultar a ocorrência de abusos e arbitrariedades, ampliando as garantias e liberdades individuais”.

“O Ministério Público atua como órgão de controle da atividade policial, o que demandaria um padrão de fiscalização daquilo que é produzido pela polícia e seus métodos. Sendo ator cooperativo do procedimento policial, o controle fica dificultado em razão das conveniências de se somar ao invés de impor limites.”

Fiscal da Lei

Rafael Valentini, criminalista e sócio do FVF advogados, discorda dos colegas. Para ele, o MP deve ser, acima de tudo, fiscal da lei.

“Portanto, qualquer ilícito ou irregularidade que venha a ser de seu conhecimento não pode ser relegada, especialmente quando cometida por agentes públicos”, afirma.

“Além disso, essa conclusão visa a evitar a condescendência com casos de abuso de autoridade e uso desproporcional da repressão”, conclui.

A análise do STF

O julgamento do STF envolve três ações diretas de inconstitucionalidade. Na primeira (ADI 2.943), o Partido Liberal (PL) questionou dispositivos de leis que regem os MPs estaduais e o Ministério Público da União. A legenda afirmou que o artigo 25 da Lei Orgânica do MP é inconstitucional por permitir inquéritos civis e procedimentos administrativos.

Já as ADIs 3.309 e 3.318 foram ajuizadas pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil contra incisos do artigo 8 da Resolução 77/04. O diploma dispõe sobre organização, atribuições e estatuto do MP. E também permite a instauração e tramitação de procedimento investigatório criminal.

O julgamento foi retomado na quarta-feira passada (24/4) com um voto conjunto formulado pelos ministros Edson Fachin, relator das ações, e Gilmar Mendes. Segundo o posicionamento, apesar da competência do MP para promover investigações de natureza penal, o juiz competente deve ser informado sobre a instauração e o encerramento dos procedimentos investigatórios.

Tiago Angelo
é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Conjur

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