Cobrança vexatória ou que atrapalhe o trabalho ou lazer da pessoa pode ser tida como crime contra o consumidor

Por Rafael Valentini

O enredo é conhecido: quem nunca recebeu sucessivas ligações ou mensagens de texto de empresas especializadas em cobrança, seja essa dívida devida ou não (o que piora o cenário), ou ao menos conhece alguém que já vivenciou essa situação?

Não se discute que dívida deve ser quitada, sendo que o credor tem o direito legítimo de cobrá-la e de usar os meios legais para satisfazer o seu crédito. Afinal, se por um lado o consumidor (a parte mais vulnerável da relação consumerista) não pode ser abusivamente cobrado, por outro as empresas-credoras e as empresas especializadas em cobrança não podem ficar sem proteção da lei para que recebam os seus créditos, sob pena de inviabilização dos seus respectivos negócios.

Código de Defesa do Consumidor prevê determinados crimes visando prevenir e reprimir condutas abusivas e vexatórias, como por exemplo: “Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer” (artigo 71).

Referido delito possui pena de detenção de três meses a um ano e multa, podendo ser considerado um crime de baixa ofensividade na hipótese de o agente ser primário. Porém, a reincidência na conduta poderá resultar em consequências processuais mais graves.

Vale destacar aqui também outras condutas tidas como delituosas e que, não raro, lesam consumidores e pessoas no dia a dia, como “Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros” (artigo 72) e “Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata” (artigo 73).

A análise quanto a configuração dos crimes mencionados deverá ser feita caso a caso. Em termos gerais, o direito de cobrança deve ser exercido de forma adequada e moderada, de modo a não expor o consumidor ao ridículo, expô-lo indevidamente ou atrapalhá-lo em atividades ordinárias.

Portanto, um alerta a empresas e consumidores: é sempre melhor honrar com os compromissos assumidos e, na outra ponta da relação, é preciso moderação e razoabilidade para não fazer de uma dívida civil um problema ainda maior de natureza policial.

*Rafael Valentini é advogado criminalista, pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócio do FVF Advogados.

Fonte: Jornal Jurid

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