Crime e Regulação das Mídias Sociais

Caio Ferraris

Muito se tem discutido nos últimos meses sobre o aparente tensionamento entre liberdade de expressão/comunicação e a regulação das mídias sociais. Se por um lado as novas mídias inauguram uma nova era de interações comunicativas, sociais e políticas, por outro se tornou campo fértil de disseminação de ódio e violência. É o que se passa, por exemplo, com a enxurrada de vídeos que exaltam os massacres recentes ocorridos nas escolas brasileiras.

O problema entrou de vez na agenda governamental. Diversas propostas legislativas, portarias e pronunciamentos, em especial do atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, frequentam o noticiário. Políticas públicas são formuladas e enviadas às casas legislativas para a regulação e responsabilização das plataformas digitais pelos conteúdos publicados e impulsionados.

Mas será que há realmente o conflito entre a liberdade de expressão e comunicação com a regulação das plataformas digitais?

Não há dúvidas que a Constituição Federal de 1988 erigiu a liberdade de expressão como um dos pilares de nosso Estado Democrático de Direito.  A regra absoluta é a liberdade de pensamento, expressão e informação, sendo vedada qualquer tipo de censura prévia, seja de natureza política, ideológica ou artística.

Contudo, não existem direitos absolutos. Quando a liberdade de pensamento colidir com outros direitos fundamentais, como a intimidade, vida privada, honra, dignidade, se faz necessária a redução do alcance de cada um, de maneira razoável e ponderada, de modo a preservar a existência de ambos.

Os limites da liberdade de expressão, assim, encontram-se justamente no avanço sobre outros direitos. É bem verdade que a zona cinzenta é extensa e fundamentalmente uma opção política. Nesse aspecto, em julgamento de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, declarou-se inexigível o consentimento de pessoa biografada em publicações de caráter literário ou audiovisual. Em 2003, a Corte Suprema estabeleceu que a liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo, considerando que um direito individual não pode se constituir em salvaguarda de condutas ilícitas.

Nesse aspecto, liberdade de expressão e comunicação não encontram guarida em manifestações que avancem para condutas tipificadas como crimes em nosso ordenamento. Caluniar, difamar, injuriar, discriminar, incitar o crime são algumas condutas que não podem ser vistas como exercício legítimo de liberdade de expressão em um Estado Democrático de Direito.

A regulação das mídias sociais nos parece algo necessário na sociedade atual. Ao contrário de uma limitação prévia de conteúdo, que poderia ser encarado como censura e certamente seria objeto de questionamento de inconstitucionalidade, a regulação trará apenas, como em qualquer outro setor da sociedade, de que maneira as plataformas digitais deverão se portar em determinados casos. A regulação é um instrumento de proteção da sociedade e também das próprias empresas, que terão de maneira clara a delimitação de suas responsabilidades.

Contudo, tal regulação não pode ser dar de maneira apressada. Não obstante a urgência da matéria, impulsionada pelos bárbaros ataques nas escolas, a Câmara dos Deputados sinaliza uma açodada votação do Projeto de Lei 2630/2020 (PL das Fake News) em Plenário já essa semana. A discussão sobre o tema deve ser ampla, com o estabelecimento de comissão especial para análise da matéria, tendo em vista que se regulam temas dos mais caros para a sociedade atual.

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