Rafael Valentini
Como se sabe, após o recebimento da denúncia o acusado será citado pessoalmente para apresentação de resposta à acusação, oportunidade em que “poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário” (artigo 396-A, do Código de Processo Penal).
Ocorre que não é nada raro que arguições exclusivamente processuais sejam rejeitadas por meio de decisão de conteúdo genérico e que poderia perfeitamente ser aplicável a qualquer outra ação penal. Quem atua como advogado ou defensor na área criminal conhece muito bem esse cenário.
Como consequência, ações de Habeas Corpus são impetradas visando a anulação da decisão judicial para que uma nova seja proferida, sob o fundamento constitucional do artigo 93, inciso IX, sendo que diversos são os precedentes dos Tribunais Estaduais e Tribunais Superiores acolhendo o inconformismo defensivo e, assim, confirmando o direito de o acusado e sua defesa técnica de acompanhar o caminho mental realizado pelo julgador na prolação de suas decisões.
Recentemente o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, elaborou decisão primorosa sobre a relevância do momento processual da resposta à acusação e do dever de fundamentação por parte do magistrado, que deve ser compartilhada e lida sem moderação por ser mais um importantíssimo precedente sobre o tema em análise.
Nos autos do Habeas Corpus n.º 222.049/SP, o Decano do STF concedeu a ordem requerida para “anular o recebimento de denúncia e todos os atos processuais subsequentes, determinando que o eminente magistrado analise adequadamente os argumentos deduzidos na defesa prévia”, adotando a seguinte fundamentação:
“O devido processo legal se orienta à observância dos elementos formais e materiais relacionados à atribuição de responsabilidade penal. Nesse sentido, as regras de procedimento, no caso do rito ordinário, estabelecem o fluxo sequencial dos atos processuais, cujas etapas são indisponíveis e não podem ser alteradas ou contornadas ao capricho do magistrado.
Ao lado da tipicidade penal (CR, art. 5 XXXIX), a tipicidade processual – observância do rito estabelecido em lei – garante legítimas expectativas das partes e do julgador, regulamentando o circuito procedimental, os sujeitos, os poderes, os deveres, os direitos e os ônus de cada um dos participantes dos eventos procedimentais.
Ao julgador compete a condução regular das etapas procedimentais, não dispondo de espaço decisório para criar procedimentos diversos dos previstos no Código de Processo Penal. Logo, se não pode criar procedimento, nem se valer de regras procedimentais revogadas, então também não pode inovar, reduzir, alterar, prolongar ou inviabilizar a incidência regular das 3 (três) etapas subsequentes:
1ª Etapa: admissão da pretensão acusatória (legitimidade, tipicidade aparente, punibilidade concreta, justa causa e petição apt)];
2ª Etapa: após a resposta à acusação, a análise motivada e fundamentada dos argumentos apresentados na hipótese defensiva (HDef), com a reanálise dos pressupostos, requisitos e condições da ação (Etapa 1ª) ou a rejeição da pretensão acusatória. É direito subjetivo do acusado (SALLES, Bruno Makowiecky. Direitos e Deveres nas Teorias Geral e Jusfundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023) que a decisão de rejeição dos argumentos ofertados aconteça por decisão motivada e fundamentada;
3ª Etapa: construção do provimento jurisdicional por meio da efetiva participação durante a produção probatória, alegações finais e sentença.
Alvíssaras! A impecável decisão reafirma que a resposta à acusação não é peça processual meramente protocolar, muito embora não seja momento processual oportuno para discussão quanto ao objeto específico da ação penal. Questões processuais são extremamente relevantes para se decidir o mérito de forma apropriada, pois é justamente a higidez de todo curso procedimental que confere legitimidade ao Estado para aplicar eventual condenação.
Ou seja, “as regras de procedimento, no caso do rito ordinário, estabelecem o fluxo sequencial dos atos processuais, cujas etapas são indisponíveis e não podem ser alteradas ou contornadas ao capricho do magistrado.
São por essas razões que a decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes deve ser compartilhada. Um precedente relevantíssimo à adequada prestação jurisdicional nos feitos criminais e que, mais uma vez, confirma a importância das arguições e pontos trazidos na resposta à acusação.