Colega, vou te contar. Fui para um país longe, muito conhecido pela sua beleza chamado Brazilquistão. Cheguei lá só para passar a virada de ano, mas o lugar foi tão apaixonante, falavam tanto da festa de carnaval, que resolvi ficar mais. Mas olha, vi coisas lá que, juro, você não iria acreditar.
Tudo começou quando, aparentemente, um bacana de lá estava perdendo tudo. Casa, carro, joias, que um juiz tinha mandado aprender. O cara parecia estar se ferrando mesmo, não era pouca coisa, entende? Mas uma coisa muito estranha aconteceu. Numa bela tarde, fotografaram esse mesmo juiz dirigindo o carro do bacana! Como se fosse dele, sabe? E ainda noticiaram que não tinha sido só o carro, mas até o piano do cara estava com o juiz! Olha o tamanho dessa irresponsabilidade: o homem que era para julgar o bacana, acabou sendo afastado do caso, para ser julgado por estar dirigindo o carro do bacana.
Foi nesse dia que comecei a olhar o Brazilquistão com outros olhos. Queria entender como funcionavam as leis daquele lugar. Como o povo se portava, como eles pensavam. E o que eu vi foi assustador.
Tem um órgão lá, chamado Ministério Público, que tem poderes importantes, grandiosos. A Constituição Federal do Brazilquistão coloca esse órgão como fiscal da lei. Os membros desse órgão são chamados para opinar em absolutamente todos os processos que estão em andamento, não importa o assunto, o tal do Ministério Público entende de tudo – e toda a população confia no trabalho deles!
Além disso, são eles os responsáveis por representar o Estado nas ações envolvendo crime. E, olha só: li numa notícia por lá que este órgão propôs que as provas obtidas de forma ilícita deveriam ser aproveitadas nos processos, independentemente do modo que foram obtidas, pois o que importa é a prova! Isto é, o órgão que, pela previsão constitucional do Brazilquistão, deveria fiscalizar a lei, propôs que a lei não fosse observada para produzir as provas do processo, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo! Veja que contrassenso!
E só piora.
Um pouco antes da minha partida, fiquei sabendo que uma Associação de Juízes daquele lugar apresentou um projeto segundo o qual a pessoa que fosse condenada em determinados processos criminais, ainda que cabíveis eventuais recursos, deveria aguardar o restante do julgamento preso. Ou seja: por mais que o juiz possa ter errado na sua sentença, o acusado deveria ser preso! Lembra das coisas básicas que aprendemos no comecinho do nosso curso de Direito? Parece que aquele lugar nunca ouviu falar em presunção de inocência, em duplo grau de jurisdição, em garantia constitucional, em nada disso.
Mas a gota d’água que me fez comprar as passagens para voltar para cá foi outra. Em um dos meus últimos dias escutei o maior auê sobre a decisão de uma Comissão, que funciona dentro da Câmara dos Deputados de Brazilquistão. A tal Comissão, chamada de Comissão de Constituição e Justiça – ainda não consegui ter certeza se o nome é uma ironia do Brazilquistão ou não – havia aprovado uma proposta que reduzia a maioridade penal. A ideia dessa Comissão era que a partir dos 16 anos uma pessoa poderia ser processada, julgada, condenada e presa, com os outros condenados, maiores de idade. A impressão que tive foi que nunca se estudou a fundo a razão da violência no Brazilquistão. Lá, mesmo tendo uma das maiores populações carcerárias do mundo, tanto as pessoas quanto os parlamentares (o que é o mais impressionante) continuam achando que prender mais é o melhor jeito de resolver o problema da violência. Parece que querem seguir a tendência mundial, só que ao contrário, entende?
Não sei se chegaram ao Brazilquistão os tratados e estudos internacionais, mas se chegaram, com certeza não foram lidos! Acho que nunca ouviram falar de irredutibilidade de Direitos e Garantias fundamentais, ou de vedação ao retrocesso social. E, meu amigo, pasme: mesmo estando escrito na Constituição Federal deles que os menores de 18 anos não poderiam ser penalmente responsabilizados, essa Comissão entendeu que reduzir a maioridade penal para 16 anos não violava texto Constitucional. Pois é, tudo vai muito bem e obrigado!
O país é lindo. A queima de fogos em Copabacana (será que era esse o nome?) é um espetáculo. O carnaval é maravilhoso. A cerveja está sempre gelada. Mas o país tem muito o que aprender.
Fonte: http://www.justificando.com/2015/04/02/uma-viagem-pelo-excentrico-judiciario-do-brasilquistao/