Lei que tipifica bullying é criticada por especialistas por falta de clareza

Na segunda-feira (15/1), foi publicada a lei que tipifica a prática de bullying presencial ou virtual (cyberbullying) como crime. A novidade foi celebrada por especialistas no assunto, mas também houve bastante espaço para críticas à norma.

Apesar de ser uma tentativa válida de resolver um problema social grave, a lei publicada nesta semana não é específica o suficiente em diversos pontos, de acordo com os estudiodos do tema ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Além disso, ela ignora o fato de que o bullying, em linhas gerais, é um ato praticado por menores de idade.  

Outro problema apontado pelos especialistas é que a criminalização do bullying e do cyberbullying pode não ser tão efetiva quanto o esperado, já que é fundamental um trabalho de conscientização social acerca do tema.

No entendimento de Michel Herscu, advogado criminalista do escritório Toron Advogados, a inclusão de bullying e cyberbullying no Código Penal significa uma relevante atualização da lei para acompanhar as alterações dinâmicas da sociedade. Porém, ao mesmo tempo, ele afirma que o endurecimento das regras não vai resultar necessariamente em uma mudança de comportamento no Direito Penal.

“Seria muito mais interessante e eficaz — embora mais trabalhoso — investir na conscientização e educação, especialmente das crianças e adolescentes. Um exemplo muito claro da maciça diferença entre criminalização e conscientização é a comparação entre as consequências da guerra às drogas e as das políticas antitabagistas.”

Para o advogado, há ainda o problema de que muitos dos autores de bullying são também crianças e adolescentes, que podem acabar sendo estigmatizados por causa das sanções judiciais, levando a um efeito oposto ao do pretendido. “Portanto, é necessário muito cuidado com a aplicação das novas normas legais.”

Enzo Fachini, também especialista em Direito Criminal e sócio do FVF Advogados, acredita que, do ponto de vista social, a lei é louvável, mas ele diz que a redação adotada pelo legislador torna a conduta proibida vaga e de difícil compreensão.

Segundo o advogado, o efeito prático da pena de multa é limitado para a repressão da conduta. “Isso considerando a natureza branda da pena e, em especial, a possibilidade de o destinatário da norma ser outra criança ou adolescente, que não aufere renda.”

A não ser nos casos mais graves, na nova legislação, que teve origem em um projeto de lei de autoria do deputado Osmar Terra (MDB-RS), o bullying é penalizado com multa. No caso da perseguição online, o agressor pode ser castigado com pena de dois a quatro anos de reclusão e também a multa. E se as agressões forem físicas e incluírem ameaça, injúria racial ou intolerância, por exemplo, será aplicada também a pena equivalente a cada um desses outros crimes.

Redação problemática
O criminalista Leandro Raca também aponta problemas no texto da nova norma. Ele diz que a novidade reforça a importância da criação da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança, mas aponta a repetição de termos no artigo 146-A da lei, entre outros defeitos. 

“Além da repetição do elemento de intimidação no verbo nuclear do tipo e na qualificação da forma de sua prática, há elementos dispensáveis, como a afirmação de que pode ser praticado individualmente ou em grupo, ou que a vítima pode ser uma ou mais pessoas. A cominação de multa à conduta de bullying, enquanto para o cyberbullying a pena é de reclusão de dois a quatro anos, cria uma distinção desproporcional, uma vez que o primeiro tipo admite inclusive a forma de violência física”, opina ele. “Haverá também dificuldade na aplicação dos novos dispositivos, em função da sobreposição de seus elementos com os crimes de stalking, ameaça, crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, com a concepção alargada dada pelo Supremo Tribunal Federal na ADO 26, e outros.”

Thamara Rodrigues, do escritório Lassori Advogados, concorda com o colega. Ela questiona a maneira como a lei foi elaborada. “Vejo que a tipificação no Código Penal não trará grandes resultados à segurança da criança e do adolescente, exatamente por sabermos que muitas vezes as vítimas e os autores de bullying ou cyberbullying são crianças e adolescentes e o nosso Código Penal considera inimputáveis menores de 18 anos, de modo que a pena acrescentada no Código Penal pode não trazer o resultado que esperamos.”

Punitivismo penal
Já Thiago Turbay, advogado criminalista e sócio da banca Boaventura Turbay Advogados, pensa que a nova lei contra o bullying é punitivista. 

Para ele, promover políticas estruturantes em favor da dignidade, articulações sociais e desenhos institucionais que priorizem a construção de uma mentalidade cidadã seria o melhor caminho para o amplo desenvolvimento educacional, cultural e de consciência em favor das diferenças, tornando o combate ao bullying mais eficiente.

“Punitivismo penal nunca trouxe grandes avanços civilizatórios ou transformações socioculturais relevantes. A nova lei padece de boa gramática e coerência, em razão da vaguidade e do novelo de palavras. É difícil ficar animado quando a solução mais criativa é criminalizar e impor penas. Devia haver um olhar atento e sério sobre aplicar políticas públicas capazes de estabelecer redes de proteção às crianças e adolescentes por meio da sua integração social, plural e antidiscriminatória.”

Fonte: Conjur

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